4.28.2005

ele fala-lhe

Homem – Não esperes por mim, vou-me demorar. (ela sai para o quarto)
Trazias os pés e os pulsos abertos, olhavas em redor, cheiravas.
Insurgias-te contra cada palavra que eu dissesse.
Assim eras tu.
Irreal.
Indiferente.
Gatinhaste pela minha casa adentro, pareceu-me.
Afinal rastejavas, dei-te licença.
Sem que a pedisses.
Imploravas.
Assim era eu, tolerante ingénuo.
(entra no quarto, luz sobre a cama, ela está deitada)
Não há maneira de aquecer esta casa.
Faz frio assim que acordas.
Sempre, desde que para cá vieste, faz frio desde que acordes.
Quando era verão, era eu solteiro, chegava a ter de ligar a ventoinha.

Mulher – ... nunca a vi...

Homem – Livrei-me dela, não lhe tinha uso, já não sou ingénuo e a única coisa que não me serve e mantenho és tu. Não contribuis para a minha felicidade e eu mantenho-te em mim, droga, odeio-te mas não viverei sem ti, recuso-me... mas nunca seremos felizes.

Mulher – sim, tenho a certeza.

Homem – Devíamos recusar tudo aquilo que não nos faz felizes.

Mulher – Quando me lembro penso que às vezes preferia estar morta, não ter escolha. Mas não queria morrer, não queria que me matasses – só estar morta, não sei, ter nascido morta para a vida. Não me lembrar de nada, de nada.

Homem – tenho 43 anos, Vanda. Estou cansado. Não digo que não te suporte mas há alturas em que tudo o que posso fazer é suportar-te. Não, não.. não me entendas mal. Só posso viver contigo mas às vezes é tão triste e injusto.

Mulher – Aquelas pessoas que matam por amor, sabes? Achas que é contra a lei? Achas que são presas?

Homem – Ninguém mata por amor. Matam por ciúme, por obsessão, por impotência, porque são doentes ou tarados, sei lá, mas não é por amor, percebes?

Mulher – Não, mas aqueles que matam os filhos que estão em coma há muito tempo?

Homem – vê se percebes o que te vou dizer. Ninguém mata por amor.. Por piedade, por fraqueza talvez, egoístas ou fracos que não merecem nem sabem amar. Eu nunca te mataria nunca, nem a mim: aguento. É assim que se faz: aguenta-se.

Mulher – vamo-nos aguentando um ao outro. Até quando?

Homem – Até que a morte os separe.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não te resignes, Nocturne. A felicidade espera-te na próxima curva da vida, não te prendas ao que não te satisfaz.
Quando vires a minha capa, a minha longa figura negra, pára. Cumprimenta-me. Teremos dado início à maior história de amor das nossas vidas.
À única de que haverá memória.

12:32 da manhã  

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