3.29.2005

A psicose do compromisso

Oferecera-se para as ajudar, “não obrigada, vai descansar as pernas, ‘tás cá com uma cara”. Ah, pois!
Sentou-se no sofá a olhar alienadamente para o comando da televisão e para a dita cuja. Esperava ver cartas a surgirem no ecrân, mudando de posição uma a uma ou em blocos completos quando permitido pelas regras do jogo. Passara o dia nisso: Paciências de computador. O trabalho a acumular-se, e pouco ânimo para o fazer.
Havia descoberto em si o eterno retorno e era deplorável constatar que a culpa era sua.
O desgaste que tal lhe provocava era tal que aos olhos incautas de suas amigas até estava "cá com uma cara".
Muito trabalho, coitada, dizia uma, chatices, apostava outra.
Regressão: 15 anos, 10º ano, primeiro namorado, fiel, obsessivamente fiel, ligava-lhe para avisar que, dado um período de ausência intolerável por pensar nela se tinha masturbado, sim? E? desculpa-me! Claro, claro. Um gajo insuportável, mas estava presente nos bons e, sobretudo (ao que ela dava muito valor) nos maus momentos.
Isso não a impedia de ler as revistas da mãe sobre relacionamentos, casamentos, e homens lindos, perfeitos até ao pequeno poro fechado sobre a linha da barba.
O To Zé era jeitoso, até apetecível a à custa do qual ela granjeara algumas invejas no colégio, mas... Maria não estava apaixonada. Apenas queria ter um namorado como convém, a mãe aprovava, o pai ignorava, as notas subiam, o respeito conquistado. As graves carências afectivas típicas e aceitáveis na adolescência que sempre se sentem mas que se ignoram comuns a todos os que nos rodeiam, desconhecia-as agora.
11º, 12º, entrada na faculdade.
Novos colegas, mais tarde amigos, e Maria cansava-se com crescente facilidade do seu sempre presente namorado.
Acabou, ele chorou e fez o imperdoável.
O que nunca se aceita.
Pediu-a em casamento.
Dito e feito, Maria ganhou aversão ao casamento.
Aos gajos fáceis, aos obsessivos, aos presentes.