3.29.2005

A ironia - Parte II

Ele dá-lhe sede.
Parece aqueles fumadores recauchutados que quando deixam de fumar têm de ter um maço á mão, assim, em cima do parapeito da lareira, na mesa de apoio da sala de estar, só para o caso. E que se por um maldito acaso a empregada o muda de sítio panificam, congelam, tem suores frios e a certeza de que é agora, agora que não o encontro que o quer acender, fumar, até ao fim, até ao filtro,
Até ao fim.
Anseia tanto esse fim.
Este fim que não chega, perdão, que ainda não chegou.
Já deu por ela a ter pensamentos menos correctos, “tomara que ele morra, fico uma viúva, todos têm pena de mim”. Aí já compreenderiam a sua dor e não a censuravam. Eu não a censuro. Mas magoa-me, acho normal que assim seja. Olhar para um amigo que sofre por causa de um pedaço de nada é de causar dor.
Julho de 1998, casamento marcado, copo de água pago, pelos pais dela, claro está. É o dote moderno: o comum desperdício de uma batelada de dinheiro numa ocasião única, assim se espera; solene, o que se tenta; para o resto da vida, muito se reza.
Graça não reza, não comunga, não confessa. O casamento marcado, as ultimas dúvidas atribuídas conscenciosamente aos nervos, normais. Casaram.
Casaram pela igreja, “é mais bonito, é só uma vez, quero tudo a 100%.” Sim. E assim foi, durante uns tempos, depois vieram as noitadas quando as dela, com as amigas, assumidamente com as amigas: café na esquina, bar em santos, “Blues” pela noite afora, precisamente quando as delas terminaram começaram as outras tantas: 8 da manhã: acordar; 7 da tarde: telefonar “estou entalado, não me despacho... deixa-me o jantar no micro-ondas, amor.”
Mais tarde, mais directo, mais seco: “não, não vou jantar, como aqui qualquer coisa.”
Mais tarde, recentemente, nem um telefonema para lhe descansar os ânimos.
Chegava a telefonar-nos, estávamos já nós á porta do Blues, já era tarde, “e se lhe aconteceu qualquer coisa, percebes?” “se o carro derrapou, já viste esta chuva?” e que dizer?! Que não se preocupasse, que venha ter connosco, a malta espera. Mas não, que não podia. Pior ainda foi ouvi-la dizer que não devia. E nós alheias, vendo de fora, com medo de dar conselhos que se virassem contra nós.
Tem graça.
Mas é verdade que entre marido e mulher não se mete a colher e o que nós queríamos mesmo era meter uma faca, daquela de lâmina romba para muito lhe doer, àquele cabrão que nos roubara uma amiga para a fazer mulher e agora não se contentava com uma mulher e precisava de ter uma amiga. Tem graça. Realmente tem graça, até dá vontade de chorar.