3.29.2005

A culpa

Naquele dia em que tudo era luz, Madalena acordou como se fosse para viver.
Bebeu um copo de água, como se estivesse suja. Acordou ao seu lado como acordava há tantos anos e não sabia responder porquê. Não que lhe perguntassem, ainda bem, não o sabia responder.
Levantou-se relutante por sair da cama, não por sair dele. Já há tanto tempo saíra dele...
Ele ia trabalhar, ela havia de fazer a comida, cozinha bem, é o que ele diz. Sim, isso ele diz. Mais não sabe, já nem o recorda. Já faz tanto tempo que não lhe elogia nada caseiro.
Pergunta-se. “Mas que mal é que eu lhe posso querer?”
“Não fui melhor do que ele certamente pois tudo o que invento a seu respeito serve só para me torturar. Talvez seja realmente desprovido de intenção, mas não te vejo assim tão ingénuo. Fizeste-me sofrer.” Fê-la sofrer.
“Sim, fizeste-o” Mas não era com essa intenção, embora ele devesse saber que a magoava. Não sei. Magoava até certo ponto com as suas mentiras.
Até ao ponto do intolerável, do corte na jugular, foi até ao certo ponto que chegaram. Se saiu da cama de cama foi sem dúvida para sair dele. Sabia-o quando se deitou. Estava tão desconfiada. Confirmou-o através da sua pequena, grande indiscrição. “Errei ao invadir a sua privacidade mas apenas serviu para confirmar suspeitas antigas.”
Por isso lhe pediu desculpa –imediatamente- por ter lido o que leu, mas não se consegue arrepender, não acha nela o ensejo de o fazer pois ficou a saber, confirmando assim que às vezes há que romper com a nossa ética e ser superior a mandamentos honrosos, os fins justificam os meios, se nada do que encontrou houvesse encontrado, o que fizera era imperdoável, mas não... “o que encontrei perdoa-me totalmente.” Disse-me, a ele não, muda e calada saiu, foi ao café pediu a bica, olhou para o telemóvel, sim, estava ligado, acessível, esperou cinco minutos, entrou no carro e desabou.
Mais tarde, recuperada, Madalena seria absolvida por actuação em legítima defesa. Pelas amigas... Ainda se considera culpada, terá sido, certamente, algo que ela fez que o fez procurar outra, é claro. Deixara o ginásio e as saídas à noite com a Graça e com a Ana e ele sentia-se enjaulado. A culpa era, obviamente, dela e nada do que disséssemos a poderia aplacar
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